Um testamento que não é testamento, que é uma grande brincadeira e provocação para mexer com as pessoas mais velhas da cidade feitas por um grupo de pessoas irreverentes, faz do serra - velho um capítulo especial do folclore brasileiro, que já teve seus tempos áureos na Angra antiga. A manifestação, cheia de barulhos feitos com latões e serrotes, foi revivida em Angra na madrugada do dia 19 de março, Dia de São José, depois de 30 anos adormecida.
Dessa vez, o evento foi bem mais bonito e brando, como pode ser vista pelas perguntas que foram feitas a um dos serrados: “E aí, seu Antuan, para quem vai deixar o prédio da Casa de Cultura?” acompanhadas do ren, ren, ren impertinente do serrote em uma lata velha.
O serra - velho voltou com menos barulho, mas com toda a sua beleza peculiar e sussurros cheios de gargalhadas, no Centro da cidade, feito por integrantes do grupo teatral Cia. da Lua e do movimento cultural, tudo registrado pela prefeitura, através da Fundação de Cultura (Cultuar), que acompanhou os passos da brincadeira pela madrugada a fora. Algumas tentativas de serramento não deram certas porque a pessoa escolhida não abriu a janela, mas de forma geral foi muito divertido.
Foram serrados com entrega de flores o casal Érico da Fonseca e Maria Helena, do Ateneu Angrense de Letras e Artes, e o fotógrafo Antuan Henne, que foi o primeiro diretor da Casa de Cultura Poeta Brasil dos Reis.
O Dr. Érico, como é conhecido, abriu a janela do quarto, depois da meia-noite, atendendo ao convite dos serrotes do serra - velho. A dona Maria Helena não estava e ele disse com pezar: “Que pena, que ela não está em casa! Ela iria ficar muito contente com a homenagem”, disse ele.
“Já o seu Antuan desceu as escadas do sobrado na Rua do Comércio e, de pijamas recebeu as flores do grupo dizendo:” Que coisa mais linda! “Nunca imaginei que poderia ser serrado desta forma, com brincadeira saudável e ainda recebendo flores de artistas e amigos da cidade”, exclamou o fotógrafo.
Dessa vez o serra - velho veio para brincar e homenagear pessoas queridas e importantes no meio cultural da cidade não para achincalhá-las, como era comumente feito no passado. E nem poderia ser de forma diferente, como explicaram os integrantes do grupo, alguns que também participaram de muito serra - velhos, quando criança, e de um dos últimos ocorridos há 30 anos, como o artista Zequinha Miguel.
_Lembro de muito serra- velhos, na década de 60, quando menino. Muitas vezes, os velhos serrados jogavam coisas em cima de nós, como penicos, e ficavam muito irados. As pessoas saíam correndo e se escondendo, e eu ia atrás. Já outros levavam tudo na brincadeira e nada acontecia. Com os integrantes do Grupo Teatral Revolucena que fizeram o último serra - velhos da cidade, na década de 80, mas tivemos que parar porque já estava virando bagunça e não conseguíamos controlar as pessoas e aí não tivemos dúvidas, paramos de fazê-lo. A brincadeira começou a deixar de ser brincadeira com ofensas aos mais velhos e aí, não dava mais - explicou Zequinha.
Também através do Grupo Teatral Revolucena, o Serra - velho, ficou registrado com a peça teatral Serra-Serra-Serrador, no início da década de 80, durante movimento para tombamento de prédios e monumentos históricos da cidade feitos pelo grupo. O espetáculo serrava a “Dona” Bica da Carioca, a “Dona” Casa de Cultura, o Chafariz da Carioca e muitos outros.
Como acontece o serra - velho
"Serrar" velhos faz parte da tradição européia conhecida em Pernambuco desde começo do século XVIII. O folguedo reúne um grupo de brincalhões, diante da casa de um velho ou uma velha, na noite da quarta-feira da Quaresma. Em Angra e em muitas regiões, ele é realizado no Dia de São José, 19 de março. Pessoas do grupo carregam latas, barricas e serrotes e fazem um grande barulho com lamentos roucos agourando a pessoa idosa e perguntando para quem ela vai deixar suas riquezas e pertences. Os velhos, de modo geral, irritam-se com a brincadeira, dando ouvidos à crença de que o “velho serrado” não chega à outra Quaresma. O grupo então se diverte e faz um singular "testamento", acordando o ancião, fazendo a brincadeira debaixo das janelas e portas das moradias.
Do Site da PMAR.